A trajetória de Elza Soares é um testemunho da força e resiliência que definem a música popular brasileira.
Nascida em uma favela do Rio de Janeiro, sua vida foi marcada por desafios extremos que moldaram sua personalidade e arte.
Conhecida por sua voz rouca e potente, a cantora transitou por diversos gêneros musicais, desde o samba até a música eletrônica, deixando um legado que transcende gerações.
Sua história é um símbolo de resistência e superação, inspirando mulheres, negros e pessoas em situação de vulnerabilidade social.
A Voz que Nasceu na Pobreza

Nascida em uma época de grande pobreza, Elza Soares encontrou sua voz nas ruas do Rio de Janeiro. Sua história é um testemunho de como a música pode ser uma poderosa ferramenta de superação.
Origens no Rio de Janeiro
Elza Soares nasceu no Rio de Janeiro, uma cidade que, apesar de sua beleza, escondia realidades difíceis, como a pobreza extrema em que Elza cresceu. Sua infância foi marcada pela falta de recursos, mas também pela presença constante da música.
A cidade, com sua energia vibrante, influenciou Elza desde cedo. Ela começou a se envolver com a música ainda jovem, encontrando nela uma forma de expressão e conforto.
Infância na Favela
Crescer em uma favela significou para Elza uma vida de desafios diários. Ela precisava ajudar a mãe com os serviços domésticos, carregando latas d’água na cabeça, uma tarefa comum para muitas crianças em condições semelhantes.
Apesar das dificuldades, Elza encontrou momentos de alegria em sua infância, brincando nas ruas e desenvolvendo um interesse pela música. Ela começou a compor suas primeiras canções, mostrando um talento inato que mais tarde a levaria aos palcos.
Como Elza mesma disse:
“Eu comecei a cantar muito cedo, ainda menina, e foi uma coisa que me salvou.”
Essa paixão pela música foi fundamental para ela superar os obstáculos de suavidadifícil.
Os Primeiros Desafios da Vida
A vida de Elza Soares foi marcada por desafios desde muito cedo. Desde a infância, Elza enfrentou adversidades que moldaram sua trajetória e a tornaram a mulher resiliente que se tornou.
Casamento Forçado aos 12 Anos
Aos 12 anos, Elza foi forçada a se casar, iniciando uma jornada precoce de responsabilidades. Esse casamento precoce a tornou mãe aos 13 anos, com o nascimento de seu primeiro filho, João Carlos.
A maternidade na adolescência foi marcada por tragédias. Elza perdeu seu segundo filho quando tinha apenas 15 anos de idade. Esse período foi extremamente desafiador, com a perda e o luto afetando profundamente sua vida.
Maternidade Precoce e Luta pela Sobrevivência
Aos 21 anos, Elza ficou viúva, com a morte de seu marido por tuberculose, deixando-a sozinha com quatro filhos para criar. Para sustentar a família, trabalhou como faxineira e operária em uma fábrica de sabão, enfrentando jornadas exaustivas enquanto cuidava das crianças.
Um momento crucial em sua vida ocorreu quando seu filho de dois anos adoeceu com pneumonia, e ela, sem dinheiro para comprar remédios, decidiu tentar a sorte em um programa de calouros para conseguir recursos e salvar a vida da criança. Essa decisão foi um divisor de águas em sua vida, marcando o início de sua jornada artística.
Aos 27 anos, Elza já era mãe de cinco crianças, enfrentando diariamente os desafios de criar seus filhos sozinha. A morte de seu marido e a responsabilidade de cuidar dos filhos sozinha não a impediram de lutar por uma vida melhor.
O Nascimento de uma Estrela
Elza Soares estava determinada a fazer seu nome na indústria musical, e seu encontro com Ary Barroso foi o primeiro passo crucial. Embora sua participação no programa de Ary Barroso tenha sido bem-sucedida, inicialmente, não se traduziu em oportunidades de trabalho imediatas.
A primeira chance real surgiu quando seu irmão Ino a desafiou a fazer um teste para a orquestra de seu professor. Com uma interpretação emocionais de “Lamento”, Elza conquistou uma vaga no conjunto e começou a se apresentar em festas, bailes e eventos sociais.
O Encontro com Ary Barroso
O encontro com Ary Barroso foi um divisor de águas na carreira de Elza Soares. Ary Barroso, um dos grandes nomes da música brasileira, reconheceu o talento de Elza e lhe deu a oportunidade de se apresentar em seu programa. Embora tenha enfrentado dificuldades inicialmente, essa experiência foi fundamental para seu crescimento como cantora.
Apesar do sucesso no programa, Elza não conseguiu oportunidades de trabalho imediatamente, enfrentando um período de dificuldades. No entanto, essa fase difícil não a desanimou, e ela continuou a buscar novas oportunidades.
“Do Planeta Fome” para os Palcos
A expressão “Planeta Fome” tornou-se emblemática na carreira de Elza Soares. Usada inicialmente em uma resposta a Ary Barroso, posteriormente se tornou o título de seu 34º álbum, lançado em 2019. Esse álbum representou um marco importante em sua carreira, mostrando sua capacidade de transformar momentos de dificuldade em símbolos de sua trajetória artística.
Além disso, o figurino improvisado com alfinetes que Elza usou em sua primeira apresentação televisiva serviu de inspiração para o visual da turnê do álbum “Planeta Fome,” demonstrando sua resiliência e criatividade. Com o tempo, Elza se estabeleceu como uma das principais vozes da música brasileira, deixando um legado duradouro na indústria do show e da música.
A Carreira de Elza Soares
A carreira de Elza Soares é um testemunho de sua dedicação à música popular brasileira. Com uma voz que conquistou o Brasil e o mundo, Elza Soares teve uma trajetória artística marcada por sua voz única e presença de palco.
Elza Soares começou a ganhar destaque no cenário musical no final da década de 1950. Sua primeira música de sucesso, “Se Acaso Você Chegasse”, foi lançada nesse período e introduziu o scat, uma técnica vocal similar à utilizada pelo jazzista Louis Armstrong.
Início de Carreira
Nos primeiros anos de sua carreira, Elza Soares enfrentou desafios, mas também conquistou oportunidades importantes. Ela fez uma turnê de um ano pela Argentina, juntamente com Mercedes Batista, o que ajudou a consolidar sua presença no cenário musical da região.
- Sua voz rouca e vibrante tornou-se sua marca registrada, diferenciando-a de outras cantoras e permitindo que transitasse por diversos gêneros da música popular brasileira.
- Ao longo de sua carreira, suas músicas abordaram temas como romance, preconceito racial e feminismo, posicionando-a não apenas como artista, mas como uma voz ativa em questões sociais relevantes.
- Mudou-se para São Paulo, onde se apresentou em teatros e casas noturnas, expandindo seu público e consolidando sua presença no cenário musical brasileiro.
Consolidação Nacional e Internacional
Após o lançamento de seu segundo LP, “A Bossa Negra”, Elza foi convidada a representar o Brasil na Copa do Mundo da FIFA de 1962, no Chile. Essa foi uma oportunidade crucial para sua carreira, pois lhe permitiu conhecer pessoalmente Louis Armstrong, uma de suas influências musicais.
Elza Soares continuou a se apresentar em shows e eventos importantes ao longo dos anos, mantendo sua relevância no mundo da música. Sua dedicação e talento a tornaram uma das figuras mais emblemáticas do samba e da música brasileira.
Com uma carreira que atravessa décadas, Elza Soares permanece como um ícone da música brasileira, inspirando novas gerações de artistas e fãs.
A Revolução Musical
Elza Soares revolucionou a música brasileira com seu estilo único. Sua participação nos festivais de música popular brasileira nas décadas de 1960 e 1970 foi fundamental para consolidar seu prestígio no cenário musical.
Em 1966, Elza Soares conquistou o segundo lugar no Festival de Música Popular Brasileira com a canção “De Amor ou Paz,” ficando atrás apenas de “A Banda” de Chico Buarque e “Disparada” de Geraldo Vandré. Dois anos depois, em 1968, ela ganhou o prêmio de melhor intérprete feminina com a música “Sei Lá, Mangueira.”
Estilo Único e Inovador
Elza Soares é conhecida por sua voz poderosa e estilo inovador. Sua capacidade de interpretar diferentes gêneros musicais, do samba tradicional à música eletrônica, a tornou uma cantora versátil e respeitada.
Como disse um crítico, “Elza Soares não apenas canta, ela emociona e transforma a música em uma experiência única.”
Experimentações e Parcerias Musicais
Ao longo de sua carreira, Elza Soares estabeleceu parcerias com artistas de diferentes gerações e estilos. Sua participação em projetos musicais inovadores e shows memoráveis contribuiu para sua reputação como uma artista de vanguarda.
Elza Soares também comandou seu próprio programa de televisão, “Dia D… Elza,” na RecordTV, ao lado de Germano Mathias, demonstrando sua versatilidade e capacidade de se adaptar a diferentes formatos de show.
Além disso, sua discografia é rica em música brasileira, com canções que se tornaram clássicos do gênero.
Elza e Garrincha: Um Amor Polêmico
O relacionamento entre Elza Soares e Garrincha foi um dos mais polêmicos da história do samba brasileiro. Elza Soares foi extremamente criticada por se envolver com o jogador, e o relacionamento foi marcado por altos e baixos.
A união entre Elza e Garrincha começou durante a Copa do Mundo de 1962, um período que deveria ser de celebração para o jogador, mas que se tornou um momento de grande controvérsia devido ao seu relacionamento com a cantora.
O Encontro na Copa do Mundo de 1962
Foi durante a Copa do Mundo de 1962 que Elza Soares e Garrincha se conheceram. O encontro foi o início de um relacionamento que enfrentou forte rejeição da sociedade brasileira.
A imprensa fez uma campanha negativa contra Elza, acusando-a de ter destruído a família do jogador. Além disso, o preconceito racial também estava presente nas críticas, já que muitos não aceitavam ver um ídolo nacional branco casado com uma mulher negra e de origem humilde.
Escândalos, Preconceitos e Desafios
O relacionamento foi marcado por episódios de violência doméstica, com Garrincha, que sofria de alcoolismo, agredindo Elza fisicamente em diversas ocasiões. A cantora relembrou as dificuldades que passou em seu relacionamento, mas sempre deixou claro o carinho que tinha pelo ex-jogador.
Alguns dos principais desafios que o casal enfrentou incluem:
- O preconceito racial e social;
- A pressão da mídia e do público;
- Episódios de violência doméstica;
- Problemas com alcoolismo.
Apesar dos problemas, o casal permaneceu junto por quase 20 anos, até que em 1982, Elza decidiu se divorciar de Garrincha devido às constantes humilhações e agressões que sofria.
Tragédias Pessoais e Superação
A vida de Elza Soares foi marcada por tragédias pessoais que testaram sua resiliência. Ao longo de sua jornada, ela enfrentou desafios que incluíram perdas familiares e violência doméstica, eventos que poderiam ter interrompido sua carreira e afetado profundamente sua saúde mental.
A Perda dos Filhos
Uma das maiores tragédias na vida de Elza foi a perda de seus filhos. Em 1986, seu filho Garrinchinha faleceu em um acidente de carro, um evento devastador que abalou Elza profundamente. Poucos dias após a perda, Elza demonstrou sua resiliência ao comparecer a um estúdio para gravar uma participação no disco de Lobão, intitulado “A Voz da Razão.”
Essa capacidade de continuar, mesmo diante da dor, reflete a força e a determinação que caracterizaram Elza Soares ao longo de sua vida e carreira.
Violência Doméstica e Resiliência
Elza Soares também enfrentou violência doméstica em seus relacionamentos. Após a aposentadoria de Garrincha, seu marido na época, ele se tornou alcoólatra e passou a agredi-la fisicamente. Em uma das agressões, Elza chegou a ter alguns dentes quebrados. Apesar da gravidade da situação, ela não denunciou o caso, refletindo o contexto social da época.
Anos mais tarde, sua experiência inspirou a canção “Maria da Vila Matilde,” na qual Elza afirma: “cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim.” Essa canção transformou sua dor em arte e denúncia, mostrando sua capacidade de superar adversidades e usar sua voz para falar contra a violência.
O Renascimento Artístico
Elza Soares surpreendeu o mundo com seu álbum “A Mulher do Fim do Mundo,” lançado em 2015. Este disco representou um marco importante em sua carreira, demonstrando sua capacidade de inovação e reinvenção artística.
A Volta por Cima nos Anos 2000
Nos anos 2000, Elza Soares iniciou uma nova fase de sua carreira, marcada por uma renovada energia e criatividade. Ela começou a explorar novos estilos e parcerias musicais, o que resultou em uma série de trabalhos aclamados pela crítica.
Essa nova fase foi caracterizada por uma mistura de samba com elementos de música eletrônica e experimental, mostrando que Elza continuava a ser uma artista inovadora, mesmo em idade avançada.
“A Mulher do Fim do Mundo” e Novos Projetos
O álbum “A Mulher do Fim do Mundo” foi lançado em 2015, quando Elza Soares tinha 85 anos. Foi seu primeiro álbum composto inteiramente por músicas inéditas e recebeu aclamação internacional.
O Pitchfork, um dos sites de música mais respeitados do mundo, elegeu “A Mulher do Fim do Mundo” como “melhor novo álbum.” As canções do disco abordavam temas como sexo, morte e negritude, demonstrando a coragem de Elza em tratar de assuntos considerados tabus.
Elza explicou o título do álbum dizendo: “Eu acho que a mulher do fim do mundo é aquela que busca, é aquela que grita, que reivindica, que sempre fica de pé. No fim, eu sou essa mulher.”
- O álbum representou uma reinvenção artística radical, mesclando samba com elementos de música eletrônica e experimental.
- As canções do álbum abordavam temas como sexo, morte e negritude, demonstrando a coragem de Elza em tratar de assuntos considerados tabus.
- “A Mulher do Fim do Mundo” recebeu aclamação internacional, sendo eleito como “melhor novo álbum” pelo Pitchfork.
Legado e Reconhecimento
A vida e obra de Elza Soares são um exemplo de resistência e inovação. Ao longo de sua vida, Elza defendeu pautas importantes como os direitos das mulheres e da população negra, além de combater o racismo e a violência de gênero.
Prêmios e Homenagens
Elza Soares recebeu diversas homenagens e prêmios ao longo de sua carreira, reconhecendo seu talento e contribuição para a música brasileira. Sua dedicação e inovação na arte do samba renderam-lhe um lugar de destaque na cultura brasileira.
Ela foi uma cantora inovadora que influenciou gerações de artistas, desde o samba até a música eletrônica. Sua capacidade de se reinventar constantemente ao longo de sete décadas de carreira é um testemunho de sua criatividade e relevância artística.
Influência na Música e na Cultura Brasileira
A influência de Elza Soares transcende o campo musical, impactando questões sociais e políticas que marcaram a sociedade brasileira. Como uma mulher negra que superou adversidades, Elza tornou-se um símbolo de resistência e inspiração para muitos.
- Sua abordagem musical inovadora influenciou diversas gerações de artistas brasileiros.
- Elza defendeu ativamente os direitos das mulheres e da população negra.
- Sua música é um reflexo de sua vida e experiências, tornando-a uma figura autêntica e respeitada.
Elza Soares é um grande símbolo da música popular brasileira, e seu legado continua a inspirar artistas e ativistas. Sua contribuição para o samba e para a música brasileira é inesgotável.
Discografia Essencial de Elza Soares
A voz poderosa de Elza Soares ecoa através de sua discografia essencial, que reúne alguns dos maiores sucessos da música brasileira. Com uma carreira que se estende por décadas, Elza deixou um legado musical rico e diverso.
Álbuns Marcantes
Entre os álbuns mais notáveis de Elza Soares, destaca-se “A Mulher do Fim do Mundo,” que inclui a faixa “Maria da Vila Matilde.” Este álbum é um exemplo da capacidade de Elza de abordar temas sociais importantes através de sua música.
- Maria da Vila Matilde, uma canção que se tornou um manifesto contra a violência doméstica.
- A Mulher do Fim do Mundo, título que reflete a força e a resistência de Elza Soares.
Canções Inesquecíveis
Elza Soares é lembrada por muitas canções inesquecíveis, como Se Acaso Você Chegasse e A Carne. Sua interpretação de Meu Guri, de Chico Buarque, é particularmente notável, demonstrando sua habilidade em transmitir emoção através da voz.
- Se Acaso Você Chegasse, sua primeira gravação de sucesso.
- A Carne, um hino de resistência e conscientização social.
- Meu Guri, mostrando sua capacidade de contar histórias através da música.
A Despedida da Diva do Samba Brasileiro
A vida de Elza Soares foi um testemunho de resistência e arte. Ela faleceu no dia 20 de janeiro de 2022, aos 91 anos de idade, por causas naturais, em sua casa no Rio de Janeiro. Uma coincidência simbólica foi que ela partiu no mesmo dia em que, 39 anos antes, havia falecido Garrincha, seu grande amor.
Seu corpo foi velado no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, uma honraria reservada a grandes personalidades brasileiras. Em suas últimas entrevistas, Elza manifestou o desejo de ser lembrada como uma mulher que lutou e usou sua voz para defender causas importantes. Seu último álbum, “Deus é Mulher”, lançado em 2018, sintetiza sua visão de mundo e espiritualidade.
A morte de Elza Soares causou comoção nacional, com manifestações de pesar de artistas, políticos e fãs. Ela deixa um legado de mais de sete décadas dedicadas à música brasileira.